quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Distâncias

A geometria do silêncio

Respiro e escrevo silêncio
no acto de escrever e silêncio
até à distância extrema
e na língua o silêncio ferve
a grande terra da garganta branca
lâmina e dedos quase míticos
a líquida frescura dos golfos
onde se renovam os silêncios
sob a cúpula acolhedora do sangue
o excesso do corpo dos mortos
o silêncio que se deixa respirar.
João Rasteiro
.................................Buena Vista Social Club

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

José Afonso - Agora e Sempre !

José Afonso: Aveiro, 2/08/1929 — Setúbal, 23/02/1987
Que amor não me engana
.
Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se de antiga chama
Mal vive a amargura
.
Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia
.
E as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito
.
Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira
.
Em novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera
.
Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
O nascer do dia
José Afonso

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Poesia Verde

António Ramos Rosa é candidato à 18º edição do Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana, um dos galardões literários de maior prestígio no espaço hispânico. Já no ano passado, a SPA apresentara a candidatura de A. Ramos Rosa ao prémio, (facto inédito, a candidatuta dois anos seguidos do mesmo poeta) que tem a dotação pecuniária de 42100 euros. Prémio que apenas foi ganho uma vez por um(a) português(a), Sophia de Mello Breyner Andresen na edição de 2003. Sendo um dos mais prestigiados prémios literários, pretende distinguir o conjunto da obra poética de um autor vivo que, pelo seu valor e impacto literário, constitua uma contribuição extremamente relevante para o património literário e cultural, partilhado por toda a comunidade ibero-americana. Poetas como Antonio Gamoneda, Mario Benedetti ou João Cabral de Melo Neto (para além de Sofia) já conquistaram o prémio.
Estou vivo e escrevo sol


Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde.
António Ramos Rosa
............................................The Animals - House of the Rising Sun

http://www.triplov.com/poesia/ramos_rosa/index.htm
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1366039&idCanal=14
http://www.ucm.es/info/especulo/numero33/aramosro.html

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

PAISAGENS


..........................................Alfredo Luz
O corpo profuso flutua incendiado
como os tendões duros da terra,

eu sigo o eco da maturação perfeita,
um círculo fechado no halo dos enigmas
que ignora a extensão da sua teia púrpura

(...)

Há bocas cheias de secretos signos
que a água não escondeu dentro do fogo
mães rasgando um lento solo sagrado

(...)

Olho os favos de mel da idade inicial
o lugar em que se simula a ressurreição
e as veias são um rastro de estrela.

João Rasteiro - In, Os Cílios Maternos, 2005

............................................Joan Baez - Diamonds & Rust

sábado, 14 de fevereiro de 2009

RAUL PEREZ - "sem título"

Raúl Perez, aqui em amena conversa, comigo e com o pintor Seixas Peixoto, durante a inauguração da exposição "A Voz dos Espelhos", Amadora/08, nasceu em Lovelhe-Minho em 1944. Realizou a sua 1º exposição individual em 1972 a convite de Cruzeiro Seixas. Depois de em 1973 integrar o Movimento Phases, expôs em vários locais, quer em Portugal, quer no estrangeiro, tendo ao longo dos anos integrado algumas das mais importantes exposições do surrealismo internacional, mesmo recusando-se a integrar explicitamente um movimento artístico, partido, clube ou religião. A sua pintura, ditada essencialmente pelo automatismo, cria uma imagética organicista e contagiante de seres híbridos, de contornos moles e ondulantes, em áridas arquitecturas e crepusculares ambientes metafísicos (Gonçalves & Cuadrado, 2004). É sem dúvida hoje, um dos mais importantes pintores portugueses contemporâneos.
O Museu Colecção Berardo apresenta a maior exposição de sempre do pintor Raúl Perez - Cerca de 90 desenhos e pinturas criadas entre 1960 e 2008 por Raúl Perez vão ser apresentados segunda-feira no Museu Colecção Berardo, naquela que é a maior exposição de sempre dedicada ao universo plástico deste artista português."Raúl Perez - Desenho e Pintura" será apresentada em colaboração com a Fundação Cupertino de Miranda, com sede em Famalicão, onde, em 2006, o pintor de 64 anos apresentou uma outra exposição com cerca de setenta obras. Foi a partir dessa exposição que decidiu fazer uma mais alargada, com uma selecção de obras "mais apurada", totalmente dedicada a uma fase iniciada a partir dos anos 1960, explicou Raúl Perez em entrevista à Lusa a poucos dias da inauguração. (In, Público).
Em sua homenagem, um poema de Mário Cesariny, um pintor e poeta que sempre admirou.
"Eu, Sempre..."
.
Eu sempre a Platão assisto.
Pessoalmente, porém, e creia que não
Tenho qualquer insuficiência nisto,
Sou um romano da decadência total,
Aquela do século IV depois de Cristo,
Com os bárbaros à porta e Júpiter no quintal.
Mário Cesariny
.........................................Madredeus - "Silêncio"

http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1365058&idCanal=14

http://www.timeout.pt/news.asp?id_news=3017

http://www.museuberardo.com/

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

A idade do homem


Crateras de pedra acesa
...........................A Jesús Hilário Tundidor

Deves ser a derradeira cidade
dos primitivos animais doirados
que aspergiam a pedra do interior dos pulmões
as bárbaras vísceras do Minotauro
na polpa crua que se adoça em minha fronte,
.
como o seixo que se desabrocha puro
do âmago corrompido da terra
trepando para beber a sede irada do Tormes
e em seu flanco esperar pelo sol que fulge o fogo.
.
Procuras a deflagração ao centro,
um modo de te amar as crias dentro do tempo
aonde se ampara o precipício imediato da sílaba.
.............................................João Rasteiro
.
JOSÉ CARRERAS - GLORIA (MISA CRIOLLA)

.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Salamanca
http://images.google.pt/images?hl=pt-PT&q=salamanca&um=1&ie=UTF-8&ei=VzmTSYX1F5WN-gaqxemJCw&sa=X&oi=image_result_group&resnum=5&ct=title

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Os dias do amor

Foi editada recentemente a antologia "Os dias do Amor - Um poema para cada dia do ano", 365 poemas de amor escritos por 365 poetas de todos os tempos e de todos os lugares. A recolha, selecção e organização foi efectuada pela Inês Ramos e inclui prefácio de Henrique Manuel Bento Fialho. A obra conta com nomes variados, portugueses e estrangeiros, poetas com obra e nome já "feito" e também com poetas menos reconhecidos, ou menos visíveis, mas que no seu conjunto contribuem para um belo livro de poesia. A antologia conta com nomes como, António Ramos Rosa (Portugal), Affonso Romano de Sant'Anna (Brasil), Luís de Camões (Portugal), Almeida Garrett (Portugal), Al-Mu’tamid (Alandalus), Bocage (Portugal), D. Dinis (Portugal), Daniel Faria (Portugal), Dante Alighieri (Florença), Emily Dickinson (EUA), Fiama Hasse Pais Brandão (Portugal), Nuno Júdice (Portugal), Gabriela Rocha Martins (Portugal), etc. E é da Gabriela R. Martins o poema que se segue e incluido na antologia, até porque sem falso pudor, me sinto bastante lisonjeado por o poema me ser dedicado.
-O Caçador.Cativo
............................ao João Rasteiro
.
haviam.se em vão procurado nas cidades
.
percorrera continentes
quando desistira
encontrara.se solto no ritmo lento
de uma valsa
dançada em contra.mão
.
desintegrado
.
sentira as ondulações das cearas
que cearara em dança lenta
regressara estranho às recordações de antanho
antanho era a linguagem de seus avós
.
havia crescido junto à terra gretada
pela fome das manhãs abertas
desde cedo havia sentido a boca
apagada de desejo de terra pão
fustigada pelo vento
.
havia pulado a cerca
construída sobre os dias
como as copas das árvores que
costumava ouvir à noite entregue
aos seus passos de caçador furtivo
fora numa dessas deambulações que a encontrara
solta
aproximou.se
ela a medo levantou as asas
no voo ferido
.
soltou os cães
ficou suspenso à dança do animal
em voo
primeiro raso
depois mais alto
arribando em direcção ao mundo
em tons de mel
engrossou o batimento das asas
ao som da pressa
do homem / caçador / cativo
daquele voar
enquanto filados
os cães esperavam a voz de comando
.
ele muito aquém da aventura
seguia.lhe o volteio
o silêncio da terra era o elo que os unia
.
ele o caçador cativo
ela solta à migração
.
o desejo deixava.os sob um manto de horas
semeadas a esmo
que estranho aquele olhar que
se projectava na mira do caçador
tornando.a vulnerável ao cúmplice
jogo do agarra e foge
ele o enfabulador
regressava caçador
ela de asas fechadas
pronta a deixar.se prender
olhou.o
ele viu.se
projectado no olhar em flash
.
uma ave / dona.
Gabriela Rocha Martins
.............................."Dancemos no Mundo" - Sérgio Godinho

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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

LIVRE para fracassar...

Hilda Hilst: n.21/04/1930 - m.04/02/2004

"Hilda Hilst, uma das maiores escritoras brasileiras e falo escritor, do porte de uma Clarice Lispector sem desmerecer Guimarães Rosa , foi uma mulher muito injustiçada. Dona de um estilo único, ela nunca teve no grande público a repercussão que merecia (...)Morreu na solidão e morreu na incompreensão.". - Ignácio de Loyola Brandão
da morte. odes mínimas
.
Teu nome é Nada.
Um sonhar o Universo
No pensamento do homem:
Diante do eterno, nada.
.
Morte , teu nome.
Um quase chegar perto.
Um pouco mais (me dizem)
E terias o Todo no teu gesto.
Um pouco mais, tu O terias visto.
.
Teu nome é Nada.
Haste, pata. Sem ponta, sem ronda.
Um pensar duas palavras diante da Graça:
Terias tido.
.
Árias Pequenas. Para Bandolim
.
Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores
.
Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.
.
Via Vazia VIII
.
Descansa.
O Homem já se fez
O escuro cego raivoso animal
Que pretendias.

Hilda Hilst - A sublime Senhora H. - Música de Mallu Magalhães

http://hildahilst.cjb.net/

http://www.youtube.com/watch?v=f06OE-1_R8E&feature=related

http://www.hildahilst.com.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hilda_Hilst

http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2004/not20040204p4461.htm

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Repto

Respondendo ao excelente repto da Gabriela Rocha Martins (Blogue: .canto.chão.), transcrevo a 6º linha, da página 161 da obra "Os Passos em Volta", de Herberto Helder, 3º Edição, 1970, a partir da qual "saiu" o poema que se segue - "Pequena oração para uma geografia familiar". Eu também irei lançar os meus reptos.
.
........"Era uma velha mãe em fundo de jarrão verde com (...)"


Pequena oração para uma geografia familiar

Esperava cobrir a terra novamente de júbilo
ser oferenda madura como uma tâmara
imitando a densa voracidade de uma velha mãe
que intransigente é o arco de si própria
mas tu estarás pomar em fundo de jarrão verde
dobrado sobre a dilatação das casas acesas
anteriores ao fogo louco da sílaba.
.
E sei que há um silêncio de primaveras negras
e digo que todo o amor é uma abóbada
de pequenos vulcões que adormecem junto ao barro
morrendo entre lírios e chuva regeneradora
e vejo o odor maternal fundir barro e cor
corpos metidos em conchas verdes sob o coração.
.
Mas tu, ó relâmpago que esmagas a prumo fundo
a luz arrancada das ciladas nocturnas,
ó cometa obscuro atravessado por dentro do milagre?
.
Do lugar circunscrito às talhas espero a obra
cega no segredo da traqueia das mulheres que criam
nas cisternas mais fundas sob o verde puro da laranjeira
uma ave-maria como uma desmesurada boca viva
uma velha geografia - a força magnética da criação
dobrada em si mesma por doces lágrimas envelhecidas.
João Rasteiro
..............................Pink Floyd - Mother

http://cantochao.blogspot.com/

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