sábado, 28 de abril de 2012




Na próxima quinta-feira, dia 03 de Maio, pelas 18h00 na Casa da Escrita em Coimbra, será apresentado o meu livro de poesia "Tríptico da Súplica".
Este livro foi editado no final de 2011 em São Paulo, pela Escrituras Editora, na coleção “Ponte Velha” que publica autores portugueses e que é apoiada pela Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas/Portugal.
A apresentação da obra estará a cargo do Professor Doutor José Carlos Seabra Pereira da Universidade de Coimbra e terá uma leitura por Jorge Fragoso e Cândida Ferreira.
Haverá ainda um momento musical pelo grupo de Fados de Coimbra “Fado ao Centro
A todos os que queiram e possam comparecer, será para mim uma enorme alegria poder contar com vocês.
"Com a morte, também o amor"
.
Um dia, o excelso dilúvio do sangue
queimará a noite, também os livros
jazerão sós sob as túnicas de Istambul,
"com a morte, também o amor devia
acabar" – num único e violento segredo.
 .                                            
A melancolia esvoaçará dos orifícios
expiando a culpa, as criaturas cinzentas
comover-se-ão fartas pelo calor do tacto,
perecerão sozinhas - como a sua progénie.
 .
E haverá a celebração dos precipícios
urdindo o beneplácito das heras, pois a flor
é um corpo excessivamente fresco e mortal,
o sangue, na primavera, é mais vermelho
que o barro nu – a terra é um lírio dobrado.
 .
Porque amor e morte têm existência própria
convertem-se, mas os seus monstros subsistem
e subsistirão recolhidos à agonia do tempo
amando-se pelo ventre - até ao fim do mundo.
................................................. João Rasteiro

domingo, 22 de abril de 2012

ROTAS OUTRAS


assim a mão escrita se depura
  .............................................................................Ao Mário Guerra

Um velho caderno moleskine de Herberto
que se julgava uma lenda
maior que o livro do riso de Aristóteles
(é tão bom rirmo-nos de tudo, de nós
dos críticos, de Deus e sobretudo da poesia)
e que presumivelmente encerrava
o manuscrito inédito
“a vida inteira para fundar um poema”
apareceu absolutamente preservado
das manchas de lápis da viarco – hoje
o poeta mantém-se fiel ao fogo
do carvão que inunda o branco de alegria,
 .
este mítico caderno
a que toda a crítica sempre se referiu
e que cada vez mais ia deixando de ocupar
os alucinados sonhos
dos adoradores de poesia
foi encontrado no início do ano pelo mário
neto do antigo merceeiro da rua
quando substituiu o soalho da antiga loja
do avô na rua do salitre,
 .
mas parece que será um caderno falso
e uma acção de propaganda
pois não só o mário quer abrir uma livraria
bastante completa aliás
apenas de livros de poesia – cada livro vendido
será docemente acompanhado
da oferta de um pastel de belém
como apenas na página 31 surge uma mancha


no intemporal branco do moleskine
que diz: “assim a mão escrita se depura”
e alastra o âmago do mundo
mas o mundo de onde se avista a morte.

Ah, e não está escrito a lápis viarco
mas sim por uma lapiseira
e para o poeta o carvão é sagrado
carvão é carvão
que a blasfémia do verbo será sempre
uma "bic cristal preta doendo nas falangetas".
.............................................. João Rasteiro
In, "O sabor dos dióspiros  a Deus pertence" (Inédito)

domingo, 8 de abril de 2012

Lugares Obscuros


Elegia da Flor


3.

Era nas tuas sépalas toda a beleza do mundo
o centro pasmado que se estendia
na subtileza do mosto
todavia vida de nocturnas galáxias
entre as formas que são outras formas
o mais disponível pecado
na mínima cavidade de uma flor
deixando que o sémen transborde o coração da terra
e no túmido ofício de jardineiro da piedade
amo a dor  eivada de pétalas
pois foi nos afáveis orifícios da primavera
que as flores perderam a idade
e logo aí em mim morreram
metamorfoseando-se em besoiros de incisivas lâminas
que em sua bárbara, insana e carnífice exactidão
cheiram quando se cheira a matéria exacta
o odor de deus, o odor de mim, o odor que mata.
.....................................................................João Rasteiro

domingo, 1 de abril de 2012

ROTAS IMPRESCINDÍVEIS


Decorreu na passada sexta-feira, dia 30 de Março, com a presença 
do homenageado, na Fundação Eng. António de Almeida no Porto, o lançamento da Antologia "100 Poemas para Albano Martins" da Editorial Labirinto, que foi coordenada pela poeta  Maria do Sameiro Barroso e prefaciada pelo grande Eduardo Lourenço, tendo ainda sido apresentada a obra por Fernando Guimarães. Nesta (entre tantas 
que já ocorreram e ainda irão ocorrer) merecida homenagem (que 
terá nova apresentação em Lisboa no dia 27 de Abril pelas 21h00 
na Sociedade Portuguesa de Autores) participei com o poema que se segue:
.
Apriorismo Vital

Já não será necessário o pecado,
há um instante em que a memória é estreita
e os homens  circularão ávidos
procurando a sua matilha
como se o rebentar dos dedos em magnólias
não fosse a indefinida e factícia criação,
a  água e a sede num corpo de aurora,
o coração estilhaçando-se em girassóis acesos,
o poema mergulhando inteiro
em suas concêntricas e primígenas alegorias,

porventura homens
ou vozes encantadas sob a lua e o sol,
sob a lágrima avivada do tempo,
o cântico que anuncia os divinos náufragos de Ítaca
sob o músculo que se retrai
fervilhem majestosos
nos delicados argumentos da morte
em profundos círculos quebrados de estirpe e haste
entreabertos ao fôlego circuncidado
do espanto.

E tudo sem promessas, sem um rosto de verbo
sem pelo menos o ocluso núcleo do mundo temer
o ruidoso silêncio da paixão da língua,

a núcega comédia do mundo
pois o poema retornará sempre a esse fruto
como, utópico, ao coração de uma criatura múltipla
no mais íntimo impudor da casta.
.......................................................................João Rasteiro
GEORGES MOUSTAKI (Fado Tropical).